Presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o ministro João Otávio de Noronha rejeitou uma liminar de exceção de suspeição interposta contra seu colega de ministério Raul Araújo da mesma corte. O autor da ação é morador de Cuiabá a interpôs sobre um suposto vazamento à imprensa de uma decisão que poderia determinar o retorno dos cinco conselheiros afastados do TCE Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.
Raul Araújo é o relator do processo que envolve os membros do Tribunal de Contas e iria votar pelo regresso, ou não, deles ao cargo. Porém não fez, depois que o processo começou, porque teve de retirá-lo da pauta até o julgamento da liminar sobre a suspeição.
A votação sobre o retorno dos conselheiros se daria na tarde da última quarta-feira (4) e, agora, deve ocorrer somente no dia 18. No entendimento de Noronha, o autor não demonstrou sua legitimidade para propor a exceção e ainda colocou no título da inicial que estava atuando como “amicus curiae”.
Ele explicou que amicus curiae traz severas limitações procedimentais e recursais impostas a tal condição, pois este nada mais é que um auxiliar da corte que existe para ajudar no convencimento do magistrado em determinado tema. “Tratando-se de inquérito para apuração de eventuais práticas delituosas, em que não há sequer relações processuais ou julgamentos de mérito, é evidente que a intervenção do amicus curiae é totalmente atípica e indevida. Como bem afirmou o ministro Raul Araújo em sua manifestação, a recusa do juiz é prerrogativa da parte, conforme o artigo 98 do CPP (Código de Processo Penal). Ademais, há a possibilidade de rejeição liminar da exceção de suspeição quando manifestamente improcedente, nos termos do artigo 277, parágrafo primeiro do regimento interno do STJ.: ‘se a suspeição for de manifesta improcedência, o relator rejeitará liminarmente’. Esse é o caso dos autos, pois a presente exceção não demonstra a possibilidade de suspeição, que somente é admitida nas hipóteses taxativas do artigo 145 do CPC (Código de Processo Civil)”, consta em trecho da ação.
O magistrado seguiu informando que o fato de um juiz presidir investigação criminal em determinada região, de forma alguma implica impedimento para realizar trabalhos acadêmicos no lugar, como, por exemplo, palestra proferida pelo ministro relator sobre a lei de recuperação judicial e para conceder entrevistas. . Ele também lembrou que existirem procedimentos de investigação passa a ser de conhecimento público quando há deflagração de operações policiais.
Nessa situação, não é algo tão assustador o assédio da imprensa, pois isso é função do sistema democrático de um país, tendo a informação como fim primeiro. “Ressalta-se que as declarações do relator do inquérito de forma alguma tangenciaram informações sobre o conteúdo dos autos. Se ouvintes de rádios e leitores de jornais e revistas ou investigados utilizam-se de conteúdos de entrevistas descontextualizados para obter algum tipo de vantagem, a situação foge completamente ao controle de quem quer que seja”, continuou.
Assim, não há nenhuma causa legal de suspeição do relator, nos termos do artigo 145 do CPC e por isso a exceção de suspeição deveria ser rejeitada liminarmente. Esse entendimento, lembrou o ministro, balizam o entendimento da corte em casos semelhantes. “Se ouvintes de rádios e leitores de jornais ou investigados utilizam-se de conteúdos de entrevistas descontextualizados para obter algum tipo de vantagem, a situação foge completamente ao controle de quem quer que seja. Ante o exposto, nos termos do artigo 277 , parágrafo primeiro, do regimento interno do STJ, rejeito preliminarmente a exceção de suspeição. Comunique-se o excipiente da decisão, preservando o segredo de justiça o inquérito 1194”, escreveu o presidente da corte na sexta-feira (6).
O CASO
Segundo a narrativa dos autos a que o FOLHAMAX teve acesso, o ex-assessor da Assembleia Legislativa, Luciano Aurélio de Oliveira, aponta que o relator do processo deixou escapar que os conselheiros afastados retornariam aos cargos durante uma entrevista a uma emissora de televisão ao participar de um evento jurídico, em Cuiabá, no dia 08 do mês passado. “O processo está em andamento e teremos novidade no sentido correto em breve”, disse o magistrado ao responder questionamento, acrescentando que “desconheço que os autos tenham essas gravidades”.
Para o denunciante, o ministro antecipou seu voto. “Única novidade seria a volta dos conselheiros ao cargo fora isso não há nada de novo nos autos. Obs: Em breve, pois seria logo (julgamento marcado poucos dias depois)— (04/12/2019). Está claro que a decisão que vai ser proferida por esta autoridade é pela volta dos malfeitores ao cargo e isso antecipou e vazou resultado do processo o que contaminou o voto do relator”, diz a petição protocolada no último dia primeiro.
Luciano ainda acusa aponta que conselheiros devem se aposentar para que deputados assumam as funções. Luciano Aurélio de Oliveira inicia a ação descrevendo que “há muitos anos” as vagas no TCE-MT são vendidas. “Para ser ter um assento nas cadeiras daquele Tribunal de contas é necessário desembolsar milhões de reais para adquiri-las, incorrendo em ilícito penal severo”, diz sem apresentar nenhum indício de prova de sua acusação.
O autor do pedido de afastamento do ministro do STJ se refere ao caso da nomeação de Sérgio Ricardo de Almeida – um dos conselheiros afastados do TCE-MT -, que é investigada em outras ações derivadas da "Operação Ararath”. Segundo as investigações, ele teria pago até R$ 12 milhões pela vaga deixada pelo ex-conselheiro Alencar Soares, no ano de 2012.
Luciano Aurélio segue e começa a relatar o interesse de deputados estaduais no cargo de conselheiro do TCE-MT. Ele cita Guilherme Maluf – ex-parlamentar que hoje ocupa o cargo de conselheiro titular do órgão -, e Eduardo Botelho e que também queria conquistar uma vaga na Corte de Contas.
Segundo o denunciante, o grupo político de Botelho já estava preparado para lançá-lo candidato a prefeito de Várzea Grande, na região metropolitana de Cuiabá, nas eleições de 2020. Ele, porém, teria desistido da ideia e revelou que seu desejo era, na verdade, ingressar no TCE-MT.
A mudança de atitude, segundo o pedido de afastamento do Ministro Raul Araujo, seria um suposto julgamento favorável aos conselheiros afastados que ocorreria hoje. “Botelho deixou vazar informações secretas de que os conselheiros vão retornar ao cargo no dia 04 de dezembro de 2019 por decisão deste relator levada a Colegiado acreditando em alguns votos dos demais membros que possam acompanhar essa decisão de voltar ao cargo os corruptos de carteirinha”, revelou.
O autor do pedido diz ainda que Botelho iria ocupar a vaga deixada por um outro conselheiro do TCE-MT, Waldir Teis, já antecipando o resultado do julgamento de Raul Araújo. Em seus pedidos, Luciano Aurélio pede a suspensão dos processos que envolvem os conselheiros afastados do TCE-MT e que tramitam no STJ, ou a remessa dos autos ao substituto legal do ministro Raul Araújo.
Alternativamente, o denunciante pede que a exceção de suspeição seja analisada pelo Ministério Público Federal (MPF).
AFASTAMENTO
Os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado - José Carlos Novelli, Antônio Joaquim de Moraes Filho, Valter Albano, Waldir Teiss e Sérgio Ricardo de Almeida -, foram afastados do órgão em setembro de 2017 durante a deflagração da operação “Malebolge” (12ª fase da “Ararath”). Os membros da Corte de Contas foram citados nos depoimentos do ex-governador Silval Barbosa em seu acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR).
O ex-chefe do Poder Executivo de Mato Grosso revelou um suposto pagamento de uma propina de R$ 53 milhões ao grupo para obtenção de apoio aos projetos do Executivo, bem como aprovação nas contas de Governo de sua gestão. Apesar da operação ter sido autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, o Ministério Público Federal (MPF) ainda não ofereceu uma denúncia contra os conselheiros afastados.
Atualmente, o TCE-MT conta apenas com dois conselheiros titulares – Domingos Neto e Guilherme Maluf. Os outros seis membros do órgão são conselheiros substitutos e interinos.