Uma investigação interna do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) apura o envolvimento de 12 entidades associativas em um esquema bilionário de descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas. As portarias que formalizam a abertura do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) foram assinadas pelo corregedor-geral substituto do INSS, José Alberto de Medeiros Landim, e publicadas na edição do Diário Oficial da União da última segunda-feira (05). O prazo para a conclusão do processo é de até 180 dias.
Conforme as apurações da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU), sindicatos e entidades cobraram indevidamente cerca de R$ 6,3 bilhões diretamente da folha de pagamento de beneficiários entre 2019 e 2024. Estima-se que aproximadamente 4,1 milhões de pessoas tenham sido afetadas. A prática consistia na aplicação de descontos mensais sob o pretexto de contribuições associativas, mesmo sem autorização formal dos segurados. As entidades utilizavam cadastros forjados e assinaturas falsas para registrar os descontos, violando os direitos do cidadão.
A operação que revelou o esquema foi batizada de “Sem Desconto” e desencadeou uma crise institucional no governo federal. O escândalo levou à demissão do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e à exoneração do ministro da Previdência, Carlos Lupi, que deixou o cargo no dia 2 de maio. Em seus lugares, assumiram o procurador federal Gilberto Waller Júnior e o ex-deputado Wolney Queiroz, respectivamente. Waller já anunciou que está em andamento a elaboração de um plano emergencial de ressarcimento às vítimas, que deverá ser iniciado ainda em maio. O presidente da autarquia garantiu que o reembolso será feito de forma “rápida” e “sem burocracia”.
A iniciativa do governo inclui ainda a criação de um canal específico para que os aposentados e pensionistas possam solicitar o ressarcimento diretamente, com apoio da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Dataprev. Enquanto o plano não é implementado, o governo federal determinou a suspensão imediata de todos os acordos do INSS com entidades que realizavam descontos mensais em contracheques de aposentados.
As entidades investigadas são: Associação no Brasil de Aposentados e Pensionistas da Previdência Social (APBRASIL); Associação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas e Idosos (ASBRAPI); Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA); Associação de Suporte Assistencial e Beneficente para Aposentados Servidores e Pensionistas do Brasil (ASABASP); Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (CEBAP); Caixa de Assistência aos Aposentados e Pensionistas (CAAP); Associação dos Aposentados e Pensionistas dos Regimes Geral da Previdência Social (AAPS); Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (AAPB); AAPN Benefícios – AAPEN (ABSP); União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (UNASPUB); Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos (AMBEC); e Associação de Proteção e Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas – APDAP PREV (ACOLHER).
Dados levantados pela CGU revelam que, em entrevistas com 1.273 aposentados e pensionistas, apenas 52 confirmaram filiação às entidades e apenas 31 afirmaram ter autorizado os descontos. Os indícios apontam que o esquema funcionava de forma sistemática e com amplo alcance territorial. Mandados de busca, apreensão e prisão foram cumpridos em 13 estados e no Distrito Federal.
Embora o escândalo tenha ganhado notoriedade apenas em 2025, há indícios de que práticas semelhantes ocorriam há pelo menos duas décadas. Relatos como o do aposentado Odilon Guimarães, de 74 anos, ajudam a ilustrar a longevidade do problema. Segundo ele, descontos de mais de R$ 20,00 começaram a aparecer em seu contracheque já em 2006, sob o registro genérico de “consignação”. Mesmo após diversas tentativas de cancelamento junto ao INSS, os valores continuaram sendo debitados, totalizando um prejuízo estimado de R$ 6,5 mil ao longo de quase 15 anos.
Uma cronologia traçada por jornalistas e investigadores mostra que a origem legal para esse tipo de desconto remonta a 1991, com a sanção de uma lei pelo então presidente Fernando Collor, permitindo a intermediação entre entidades associativas e o INSS, desde que houvesse consentimento formal do beneficiário. Com o passar dos anos, no entanto, a brecha foi explorada de forma indevida por grupos organizados. A partir de 2009, servidores do INSS começaram a notar o aumento dos descontos suspeitos. Em 2017, o valor das cobranças irregulares saltou para R$ 200 milhões. Tentativas pontuais de barrar os abusos ocorreram nos governos seguintes, mas os acordos com entidades suspeitas voltaram a ser firmados, inclusive durante o mandato de Carlos Lupi como ministro da Previdência.
As investigações seguem em andamento sob coordenação da PF, CGU e do próprio INSS. O novo comando da Previdência trabalha para reconstruir a credibilidade do sistema e acelerar o reembolso às vítimas. Especialistas apontam que o caso representa um dos maiores esquemas de desvio de recursos públicos já documentados na história da seguridade social brasileira. A expectativa é que os primeiros ressarcimentos comecem a ser pagos ainda este mês.