A ex-empregada de um hotel de Cuiabá será indenizada após ser demitida às vésperas de realizar uma cirurgia em seu punho direito. Ficou comprovado que se trata de doença ocupacional, resultado dos oito anos em que ela atuou nos serviços gerais e, depois, na limpeza da cozinha industrial do estabelecimento.
Contratada em fevereiro de 2008, a trabalhadora foi diagnosticada, quatro anos depois, com Síndrome de Túnel do Carpo nos dois punhos. Submetida a uma cirurgia no braço esquerdo em 2013, com previsão de fazer outra, no punho direito, no começo do ano de 2016, ela foi dispensada na semana em que faria o procedimento.
A empresa se defendeu negando qualquer relação entre a enfermidade e o trabalho prestado. Além disso, afirmou ter atendido todos os pedidos de mudanças de tarefas feitos pela ex-empregada, como passá-la à função de camareira, depois para a cozinha industrial e, por fim, colocá-la como auxiliar de confeiteira. Essa última alteração se deu após o retorno da trabalhadora do afastamento de oito meses, devido à cirurgia no punho esquerdo. Alegou, ainda, que não sabia da nova cirurgia, ressaltando que foi a ex-empregada considerada apta no exame demissional.
A decisão inicial, proferida na 2ª Vara do Trabalho de Cuiabá, julgou a reclamação da trabalhadora improcedente por não identificar a culpa da empresa no ocorrido.
Mas, ao analisar o recurso apresentado ao Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT), a 1ª Turma de Julgamento concluiu, por unanimidade, que se aplica ao caso a responsabilidade objetiva, quando se reconhece o dever de o empregador reparar os prejuízos, independentemente de sua ação ou omissão. Isso porque o dano era potencialmente esperado, em razão da atividade desenvolvida.
A conclusão se baseou nas tarefas realizadas pela trabalhadora durante o período que prestou serviços ao hotel que, conforme Norma Regulamentadora 4, ocupa um grau de risco à saúde no nível 03, em uma escala que vai até 04.
Dessa forma, a análise dos julgadores para se definir pelo dever de a empresa indenizar se restringia a confirmar a ocorrência do dano e o chamado nexo causal. Ou seja, verificar a relação entre a conduta e o dano, que foi confirmado em duas perícias médicas realizadas durante a instrução do processo (ambos os peritos concluíram que a trabalhadora estava incapacitada temporariamente, com nexo de causa entre a enfermidade e o trabalho realizado no hotel).
A doença foi apontada até mesmo pelo assistente técnico indicado pela empresa, cujo parecer registrou a realização de duas cirurgias no pulso direito em 2017 e reconheceu que a trabalhadora é portadora da neuropatia. Entretanto, sustentou que a enfermidade não possuía nexo com as atividades desenvolvidas e sim que "sua principal característica é o processo degenerativo devido à idade avançada (51 anos)".
Essa conclusão, entretanto, não convenceu os julgadores, já que “não é comum que a maioria das pessoas com idade na faixa de 50 anos realizem diversas cirurgias nos pulsos em razão de Síndrome de Túnel do Carpo, que seria praticamente inerente a este estágio de vida”, ressaltou a relatora do recurso, juíza convocada Eleonora Lacerda.
Ainda sobre o dever de a empresa arcar com os danos à saúde da trabalhadora, a relatora observou que, mesmo que não estivessem presentes os requisitos para responsabilização objetiva, o resultado seria o mesmo se fosse aplicada a responsabilização subjetiva.
Nesse sentido, a relatora destacou que o estabelecimento sabia das condições da empregada na data da dispensa, inclusive quanto ao procedimento cirúrgico agendado, não só pelo atestado médico entregue por ela ao Recursos Humanos, quanto pelo plano de saúde, disponibilizado pela empresa, que havia um pedido de autorização de internação para cirurgia.
Outra prova é a certidão do sindicato dos empregados de hotéis de não homologação da rescisão do contrato devido ao atestado médico da trabalhadora.
Além disso, a médica que fez o exame demissional admitiu, em audiência, que a ex-empregada informou que sofria com dores nos pulsos e do agendamento de nova cirurgia, sendo que, conforme a relatora, esta “deveria ter solicitado exames e comprovantes, para, só após, concluir se a Autora se encontrava apta ou não”.
“Outrossim, a Ré se aproxima de conduta processual deletéria, a merecer multa por litigância de má-fé, quando em defesa alega ter tomado conhecimento da enfermidade da Autora apenas com a notificação do presente processo (...)”, assinalou a relatora.
Indenizações
Por tudo isso, a trabalhadora terá direito a receber o pagamento de indenização substitutiva referente ao período de estabilidade de um ano, a partir da data da cirurgia.
Também irá receber indenização compensatória pelo por dano moral, fixada em R$ 10 mil, considerando que se trata de incapacidade temporária.
Não receberá, entretanto, indenização por danos materiais, já que ela pediu apenas o custeio de despesas médicas e farmacêuticas, mas não apresentou nenhum comprovante de gastos com cirurgias e medicamentos, o que levou a Turma a concluir que essas despesas foram custeadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Diante da condenação, a empresa hoteleira apresentou recurso para que o caso fosse reanalisado pelos ministros do trabalho, em Brasília. Entretanto, o seguimento do apelo foi negado por não cumprir os requisitos estabelecidos na legislação para subida do processo ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).