Nos últimos dias, foram divulgados dados reveladores sobre a economia brasileira. Alguns considerados bons pelos economistas, outros vistos como preocupantes.
O Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo, que soma todas as riquezas produzidas pelo país, cresceu 1,4% no segundo trimestre, superando expectativas do mercado e colocando o Brasil em segundo lugar no ranking global de maiores PIBs no período.
No mercado financeiro, a Bolsa de Valores de São Paulo registrou em agosto a pontuação recorde de sua história.
Se, por um lado, a economia dá sinais de estar crescendo, por outro, preocupam os elevados gastos do governo em relação às receitas e o rombo nas contas públicas. Esse cenário pode favorecer a inflação e a alta dos juros.
PIB subindo
O crescimento de 1,4% no 2º trimestre, na comparação com os três meses anteriores, foi o 12º resultado positivo consecutivo do indicador em bases trimestrais.
Com os resultados, o PIB brasileiro teve alta de 3,3% em relação ao mesmo trimestre de 2023. Já a alta acumulada em quatro trimestres é de 2,5%.
Integrantes mais otimistas na equipe econômica já cogitam que, nos 12 meses de 2024, o PIB pode crescer próximo de 3%, acima do esperado no início do ano.
Além disso, a economia brasileira atingiu seu maior nível de atividade desde 1996.
Um dos pontos positivos destacados pelos economistas, além desse bom crescimento, é que boa parte do PIB de trimestre foi impulsionada pelos investimentos (2,1%).
Investimentos significam incrementos na economia, e tendem a gerar crescimento mais consistente ao longo dos anos.
“A questão que está na mesa é, sim, está crescendo [o PIB], mas o receio é: você tem que ter um nível de investimento muito maior para que, de novo, essa energia do consumo, essa energia que está se criando, se jogando na economia, não se dissipe de formas não adequadas, e a pior delas é a inflação", afirmou o economista André Perfeito em entrevista à GloboNews.
Ainda segundo o especialista, o cenário seria pior se os indicadores não estivessem apontando para um crescimento. Nesse contexto, ele afirma que se trata de "um bom problema" que exige um "trabalho difícil, mas que pode ser alcançado", com foco no equilíbrio da economia.
Juros, empregos e inflação
O crescimento da economia pode não ser sentido pela população da maneira como as pessoas gostariam que fosse. Isso porque há uma percepção de que os preços dos produtos ainda estão altos, comparados com a alta da renda.
Nos últimos anos, especialmente após a pandemia, o país teve uma inflação que superou a alta da massa salarial.
Além disso, a combinação que o Brasil está vivendo, de economia aquecida e empregos em alta, pode ser um fator que continue aumentando. Apesar disso, em agosto, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou deflação de 0,02%, a primeira do ano.
A taxa de desemprego no Brasil foi de 6,8% no trimestre encerrado em julho, a melhor taxa desde 2014.
"O risco que existe [na queda] da taxa de desemprego é que você tem uma energia nova que foi jogada no sistema, uma demanda maior. O risco que tem é que essa demanda não se traduza de forma virtuosa em investimento e se degenere em inflação, é isso que o mercado tá vendo", afirmou Perfeito
Para combater a inflação, que, no acumulado de 12 meses, já está perto do teto da meta para 2024 (4,5%), com 4,24% até agosto, o Banco Central terá que aumentar os juros, possibilidade que já vem sendo cogitada na instituição.
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"Toda vez que de repente você tem uma explosão de renda, salário mínimo, Bolsa Família, previdência ou o próprio setor privado, a renda cresce com muita força e com muita intensidade, as pessoas começam a comprar mais bens e serviços, a demanda sobe, mas a economia não consegue segurar aquela demanda porque ela está muito alta", afirmou à GloboNews o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
"Esse processo leva, a cada vez que isso acontece, a inflação voltar a aparecer. Inflação volta, o Banco Central precisa jogar água nessa fervura, e, aí, você tem um cenário de juros subindo. Então, a gente fica nesse ciclo e a gente ainda não conseguiu sair disso", completou Vale.
Gastos públicos e rombo
O governo ainda não conseguiu estancar a alta dos gastos públicos em relação às receitas, o que pressiona o Orçamento.
Há uma alta acelerada, por exemplo, nos gastos previdenciários, que são obrigatórios, ou seja, o governo não pode deixar de pagar.
Para 2025, a estimativa, por enquanto, é que as despesas previdenciárias subam R$ 71,1 bilhões além dos atuais R$ 923 bilhões que devem ser gastos em 2024.
O governo previa terminar 2024 com déficit zerado no Orçamento. Mas já projeta um déficit de R$ 28 bilhões.
E essa alta nos gastos públicos, de acordo com especialistas, atinge o poder de investimento do governo e gera incertezas sobre a capacidade de o país bancar um crescimento econômico sustentável.
“Você tem espasmos de crescimento aqui e ali. E aí vem aquele cheiro de todo mundo pensar que agora vai vingar [a economia] e depois não vinga. Esse é o drama", afirmou o consultor econômico Raul Velloso.
Para o especialista, os bons resultados de alguns índices não significam crescimento econômico efetivo.
“O governo não pode ficar animado enquanto ele não atacar o problema do gasto excessivo da previdência, porque aí o dinheiro falta para o investimento", completou Velloso.
Muitos gastos previdenciários são corrigidos pelo salário mínimo, que sobe acima da inflação. Isso faz com que o aumento desses gastos seja ainda mais difícil de ser absorvido pela economia.
Alguns integrantes do governo, como o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já defendem desvincular os gastos previdenciários do salário mínimo.
Equilíbrio fiscal
O economista Felipe Salto, da Warren Investimentos, também destaca o desafio da política fiscal. Salto já presidiu a Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado, e já foi secretário da Fazenda do governo de São Paulo.
Ele também defende a necessidade de o governo buscar o equilíbrio fiscal.
"O governo avançou, com o novo arcabouço, e o déficit deste ano será bem menor que o do ano anterior [...]. Para o ano que vem, o desafio é de seguir diminuindo o déficit público, que ainda não está bem equacionado", afirmou.
Ele também disse que é preciso melhorar a qualidade dos gastos públicos. Salto lembrou que a diminuição dos juros nos Estados Unidos deve ajudar o Brasil, pois leva mais investimentos a países emergentes, onde os juros são maiores.
"A inflação segue controlada, com expectativas convergentes. O cenário externo, dado o esperado início da redução dos juros americanos, vai ajudar. Desse modo, não vejo motivo para alarde e entendo que os problemas seguem sendo os mesmos: superar a má qualidade do gasto, voltar a gerar superávit primário em um horizonte próximo, e reequilibrar a dívida o quanto antes", explicou.
Recorde na Bolsa
Em agosto, o Ibovespa, principal índice acionário da bolsa de valores brasileira, a B3, renovou seu recorde histórico: 136.464 pontos.
O mercado financeiro aproveitou a onda de otimismo após a ata da última reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) mostrar que as autoridades estão bastante inclinadas a iniciar o ciclo de cortes na taxa de juros americanas em setembro.
"Se a bolsa sobe, isso implica dizer que existe um certo ânimo dos investidores maior, não só do mercado financeiro, mas porque se o mercado reflete as condições reais da economia é porque as empresas estão indo melhor, é porque a situação tá indo melhor", explicou o economista André Perfeito.
Por isso, uma sinalização de queda nos juros dos Estados Unidos leva otimismo ao mercado de ações brasileiro: com uma possível redução da taxa, os rendimentos na economia mais segura do mundo tendem a diminuir, forçando os investidores a tomarem mais risco. Isso beneficia o mercado de ações por aqui.
Ainda segundo Perfeito, a alta na bolsa, na verdade, é reflexo de uma melhora que já ocorreu. Melhora essa que, de acordo com ele, dá para ser vista na queda do desemprego e no aumento do salário.